terça-feira, 29 de janeiro de 2013

ELABORAR LUTO


Apesar da morte ser a única certeza que temos na vida, não é encarada de forma natural, e podemos muito bem entender os motivos. Além da perda, que provoca dor, saudades, medos e angústias por si só, ao vivermos um processo de luto, de uma maneira inconsciente, estamos sofrendo também por cada uma das perdas que já tivemos na vida. É como se aquela morte fosse apenas a última gota de água que fez o copo transbordar.
Além disso, e não menos importante, a morte nos confronta com nossa finitude, com nossos limites, com nossa vulnerabilidade  e a sociedade exige de cada um de nós, uma condição oposta a essa, exige “super-pessoas” que tenham força e solução para todos os problemas e dificuldades existentes.
O luto é o processo de assimilação da perda, não apenas da pessoa, mas de toda fantasia e possibilidades associadas a ela, que deixam de existir. É o fim de um vir a ser, que na hora da morte, passa a tomar o lugar que quisermos dar. É um momento em que o enlutado se volta para si, buscando entender o significado de conceitos abstratos demais para serem entendidos.
Para a Psicologia, o luto não é uma condição patológica, mesmo que traga consigo mudanças temporárias no estilo de vida de quem o vivencia, tal como a perda de interesse por atividades do cotidiano e pelo convívio social. Pode tornar-se se não houverem recursos para elaborar as perdas, encontrar um lugar novo para quem se foi e voltar à vida de uma maneira diferente, podendo ser até melhor. Não conseguir superar a perda, viver em função dela, alimentar-se de forma mórbida dessa energia e focar apenas nisso pode fazer do luto um processo de adoecimento psicológico, com necessidade de tratamento.
Viver a dor pode tornar as pessoas mais sensíveis ao sofrimento humano. Podem gerar nessas pessoas movimentos no sentido de se colocarem em ação e produzirem mudanças verdadeiras e significativas ao seu redor. Um exemplo que me ocorre é da mãe de Cazuza, que enfrentou preconceito e dificuldades até de tratamento, por não existir tratamento na época, e de transformar a sua dor em um trabalho que faz toda a diferença na vida de tantas pessoas ainda agora.
Viver o luto é o que vai permitir superá-lo. Entrar em contato com a dor, com a falta, com sentimentos contraditórios, recolher-se e ter a “permissão” para isso, viver esse momento sem reprimir a dor faz com que ela seja digerida e não se transforme mais tarde em outros sintomas. Esse processo, como tudo na vida, acontece de forma lenta e gradual, cada um tem seu próprio ritmo que deve ser respeitado.
O entorpecimento, desamparo, crises intensas de dor e choro, culpa, raiva e desespero são sintomas saudáveis nessa situação. A negação, nos primeiros momentos ajuda a reunir as forças necessárias para entrar em contato com a dura realidade de que é para sempre. Existe uma dificuldade em aceitar a perda.
A impossibilidade de reencontrar a pessoa morta pode provocar e necessidade de manter objetos que pertenceram ao morto, como uma tentativa de manter sua presença de alguma forma. A culpa por não ter feito determinadas coisas, ou por ter provocado situações de desentendimento e discórdia, normais em qualquer relacionamento podem tomar uma proporção insuportável.
Raiva de pessoas que estiveram envolvidas na morte, como médicos e cuidadores, e até de deus, são geradas pelo sentimento de impotência diante do fato consumado. Isso pode provocar afastamento de amigos e familiares, que são uma rede de apoio imprescindível nessa hora.
Elaborar o luto não é tirar o morto da vida de quem ficou: é exatamente o oposto disso. Elaborar o luto é construir um novo lugar, preservar a relação, dar um sentido às experiências vividas, fazer com que quem se foi seja internalizado, mantendo-se vivo no mundo interno de quem ficou.
Se a crise for vivida como uma oportunidade de mudanças, de reavaliação das relações com os vivos, de construção de novas possibilidades, esse resultado fortalece e torna os vivos mais preparados para lidar com as perdas diárias do cotidiano, ajuda a encontrar prazer em coisas mais significativas, amadurece.


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