Apesar da morte ser a única certeza que
temos na vida, não é encarada de forma natural, e podemos muito bem entender os
motivos. Além da perda, que provoca dor, saudades, medos e angústias por si só,
ao vivermos um processo de luto, de uma maneira inconsciente, estamos sofrendo
também por cada uma das perdas que já tivemos na vida. É como se aquela morte
fosse apenas a última gota de água que fez o copo transbordar.
Além disso, e não menos importante, a
morte nos confronta com nossa finitude, com nossos limites, com nossa
vulnerabilidade e a sociedade exige de
cada um de nós, uma condição oposta a essa, exige “super-pessoas” que tenham
força e solução para todos os problemas e dificuldades existentes.
O luto é o processo de assimilação da
perda, não apenas da pessoa, mas de toda fantasia e possibilidades associadas a
ela, que deixam de existir. É o fim de um vir a ser, que na hora da morte,
passa a tomar o lugar que quisermos dar. É um momento em que o enlutado se
volta para si, buscando entender o significado de conceitos abstratos demais
para serem entendidos.
Para a Psicologia, o luto não é uma
condição patológica, mesmo que traga consigo mudanças temporárias no estilo de
vida de quem o vivencia, tal como a perda de interesse por atividades do cotidiano
e pelo convívio social. Pode tornar-se se não houverem recursos para elaborar
as perdas, encontrar um lugar novo para quem se foi e voltar à vida de uma
maneira diferente, podendo ser até melhor. Não conseguir superar a perda, viver
em função dela, alimentar-se de forma mórbida dessa energia e focar apenas
nisso pode fazer do luto um processo de adoecimento psicológico, com
necessidade de tratamento.
Viver a dor pode tornar as pessoas mais
sensíveis ao sofrimento humano. Podem gerar nessas pessoas movimentos no
sentido de se colocarem em ação e produzirem mudanças verdadeiras e
significativas ao seu redor. Um exemplo que me ocorre é da mãe de Cazuza, que
enfrentou preconceito e dificuldades até de tratamento, por não existir
tratamento na época, e de transformar a sua dor em um trabalho que faz toda a
diferença na vida de tantas pessoas ainda agora.
Viver o luto é o que vai permitir
superá-lo. Entrar em contato com a dor, com a falta, com sentimentos
contraditórios, recolher-se e ter a “permissão” para isso, viver esse momento
sem reprimir a dor faz com que ela seja digerida e não se transforme mais tarde
em outros sintomas. Esse processo, como tudo na vida, acontece de forma lenta e
gradual, cada um tem seu próprio ritmo que deve ser respeitado.
O entorpecimento, desamparo, crises
intensas de dor e choro, culpa, raiva e desespero são sintomas saudáveis nessa
situação. A negação, nos primeiros momentos ajuda a reunir as forças
necessárias para entrar em contato com a dura realidade de que é para sempre.
Existe uma dificuldade em aceitar a perda.
A impossibilidade de reencontrar a
pessoa morta pode provocar e necessidade de manter objetos que pertenceram ao
morto, como uma tentativa de manter sua presença de alguma forma. A culpa por
não ter feito determinadas coisas, ou por ter provocado situações de
desentendimento e discórdia, normais em qualquer relacionamento podem tomar uma
proporção insuportável.
Raiva de pessoas que estiveram
envolvidas na morte, como médicos e cuidadores, e até de deus, são geradas pelo
sentimento de impotência diante do fato consumado. Isso pode provocar
afastamento de amigos e familiares, que são uma rede de apoio imprescindível
nessa hora.
Elaborar o luto não é tirar o morto da
vida de quem ficou: é exatamente o oposto disso. Elaborar o luto é construir um
novo lugar, preservar a relação, dar um sentido às experiências vividas, fazer
com que quem se foi seja internalizado, mantendo-se vivo no mundo interno de
quem ficou.
Se a crise for vivida como uma
oportunidade de mudanças, de reavaliação das relações com os vivos, de
construção de novas possibilidades, esse resultado fortalece e torna os vivos
mais preparados para lidar com as perdas diárias do cotidiano, ajuda a encontrar
prazer em coisas mais significativas, amadurece.
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